terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

poema 54


Ouço a intimidade do sangue

numa transparência erótica,

neste silêncio tão perto

que me soa a dor,

é como se estivesse dentro do coração,

apunhalado pela insónia,

domesticando o corpo com a pressa da juventude,

vibrante de entusiasmo,

passeando os dedos pelas têmporas

beijando as pérolas das orelhas

exaltando o esmalte memorável dos olhos,

sacudindo o corpo de encontro à concha de um sexo de madressilva,

de encontro a um seio erotizado.





Ouço a intimidade do sangue

numa transparência erótica,

num silêncio tão perto parecendo vir de muito longe,

como se assim desejasse morrer,

nesta vastidão púrpurea

neste silêncio que magoa

que me consome o coração,

como se assim desejasse morrer,

soberbo,
no alento morno de um corpo de mulher

poema 53


Inúteis estes momentos ardidos em memória

estes passos feitos em silêncios de desespero

o grito veloz que me arranca voos do coração;





Inúteis estes gestos em ti perdidos

as palavras vâs de morosas rebelias

o consolo feito nada nas tuas mãos de conchas vazias.

poema 52


As horas

arrastam-se pelo chão





multicolores





e os amores cansados

fraquejam de dor





quando é dor que brota





e morde a terra à flor da pele.

poema 51


É como um cofre de beijos feito sonho

essa tão rara flor alvissíma

que de teu seio pende em voga.





E as lágrimas que choro,

ninguém as vê brotar dentro da alma.





Onde antes havia o rir

       das primaveras,

resta-me a triste boca dolorida

                                                de nadas.





Desde que em mim nasceste

teus olhos têm tons de pedra

                                                 rara...

poema 50


Está cheio de palavras

este coração que ao silêncio se obriga.

E o sorriso que me deflagra

o rosto, que insiste em esconder tudo,

é feito de respostas que buscam repouso

e mais silêncio.

E arrefece-me a voz para quem

canto, para todas as falas...

E são fragéis as palavras que tenho

dentro do peito, aquelas

que se obrigam a calar.

E é tão simples

quando o sono me despe em colares de movimentos

e não de palavras.

Essa é a falha mais próxima

que em mim conheço e que

de mim mereço...

poema 49


Sinto-me sempre

                          um fingidor

no silêncio que aguarda

a morte.

E o corpo que eu toco

                não é de ninguém,

é antes,

o último pedaço do mundo

                                      que me acolhe —

o peito erguido,

a mão esquecida...

E eis então

                que hei-de começar

                                             a retirada,

na eternidade

                             para além

                                                   da terra.

poema 48


Não tenho nada

a que me agarrar,

nem uma sombra sequer

a quem me possa encolher

e nela esconder.

São frágeis as palavras

que ao ar a sós sussurro —

volteios que se perdem

esparsados;

e entre o riso mudo

que grito

e o grito seco

que se afunda,

um sonho só por mim acima

se espalha,

indiferente a qualquer um

que se preza em ser um ser

a ser aquilo que é...

poema 47


Houve um tempo

em que as palavras voavam

infinitas,

em delicados acasos

de um vício imaginário;





E houve um tempo

em que estive próximo de ti,

perdurável no meu esforço,

incansável no meu

chamamento;





E houve um tempo

em que as palavras deixaram de soar

estridentes,

em que o vício se tornou finito,

em que as nuvens se quebraram

aflitas.

poema 46


Arde em mim

um rodopio

                       interminável

de céus

            em fogo,

um rodopio

onde a água

                       do choro

se quebra

             em excessos

                              de voo,

um rodopio

onde a espera

                    do teu

                            corpo livre

me anseia

             ao tecto

                        do mundo.

poema 45


E é do fundo

           dos meus olhos

que transparece

o vazio

           da minha alma,

esse excesso

           embriagador

que me põe

                       a falar sozinho.

poema 44


Desses gestos escritos

que me

             reduzem

ao reino

             da intimidade,

e me fazem

                        caminhar

             sozinho

                        em solos

             que não

                        perduram,

estaciono-me apenas

                                    na

                              tua

                imagem,

na véspera

                de cantar

                              ainda

                                     mais alto.

poema 43


É na superfície

longa

             da tua pele

que o vaivém

inteiro

           da minha

                          língua

se inicia

em ecos

             instantâneos

de luxúria,



em ecos

             que me

                          prendem

                                         às nuvens.

poema 42


Aqui

onde

os momentos se relatam

por ecos

             de luz,

deixa que de ti se aposse

um rosto

             de íris sóbrias,

um rosto

             que me prenda

                                   o rosto,

um rosto

             que me beija

                                   o rosto,

um rosto

             que de mim

                                   se aposse.

poema 41


Por aquela

                         sombra

             erguida,

na qual

o som puro da água

                               escorre

                          em

               silêncio,

e o canto dos pássaros

                                    se alonga

                              num

                    vaivém

de ambientes,

vou despir-me do caos que se prende

                                                         na

                                           superfície

                                       da

                               alma

e mover-me até si,

                               até à cruz

                  dos seus

      pecados.

poema 40


Dos meus olhos

descaiem

              inteiras nuvens

de água,

              inteiros momentos

despindo-se...

poema 39


E é nos arrebatados

                                  instantes

que me desdobro

em refinados trajectos

de pantomimas

                        espontâneas,



em evasivas

                        rápidas

de vibrantes fosforescências

por intermédio

quer de mim

quer de ti,



por intermédio

das forças

                         que nos

                                               restam.

poema 38


Nada mais que

a redescoberta

do nosso quotidiano exposto

me interesa;



nada mais que

o minimalismo ensaiado

do nosso manifesto libertário

me interessa;



nada mais que

esse eco encantatório

que do teu fantasma se revela

me interessa;



nada mais que

a revelação

do testemunho sóbrio de mulher que és

me interessa.



Nada mais que tu,



simplesmente tu

me interessas.

poema 37


Dos inventivos sonhos

nos quais me afundo,

decrescem-me as enraizadas ânsias

de labirínticas necessidades,



e dos aleatórios ensaios

que deles desfruto,

crescem-me as asas

das sugestivas confluências

às quais o corpo se entrega,



e nesses sonhos

onde exasperam metáforas de equívocos

que se satisfazem,

resta apenas

a nostalgia de adormecer de novo

e inventar-te outra vez.

poema 36


Em pequenas pinceladas de elogio

pronunciarei o exagero elegante

do monumento espiritual

que em ti retratei.





E em requintes de virtuosismo

hei-de entrelaçar o essencial recanto

da revolução interventiva

que em mim despertaste.





Serei reinventado por mim

e amar-te-ei em absolutas explosões

nos espelhos sóbrios

dos nossos esmerados requintes.





Ah! como serei assimilado

pela antevisão hipnótica do meu carisma

nos ambientes recriados

da longevidade do teu amparo!

poema 35


Cala-se-me a boca

com o silêncio dos teus olhos

quando te desfazes em miríades

de gritos que não perambulam,

de gritos que já não se ouvem...





E cala-se-me a vontade

na vastidão do teu corpo frio

quando me enlaças em amplexos

de beijos que não rumorejam,

de beijos que já não sabem a nada...





Torno-me então gigante

nos contratempos que nos unem

quando me desfaço em espirais

de silêncios que te definham,

em silêncios que já não separam nada...





Calam-se-me depois as mãos

com o vazio das tuas palavras,

a cala-se-me então o sexo

ausente na calada da tua ausência,

ausente do cordão umbilical da tua pele...

poema 34


No fio azul do cigarro

encontro-me, então,

a sonhar,

a desvendar as raizes

                                  cruas

dos sentidos,

a desmantelar enganos,

a sobreviver résteas de passados

sofridos,

a desenganar-me

                         de tudo quanto

                                                 me envolve,

                         de tudo quanto as minhas mãos

                                                 não podem tocar.

poema 33


Sou como um pássaro

que de súbito

                       irrompe

a voar de margem

para margem

em comentários

                        oportunos,

as multiplicadas

cúspides

              do seu ego.





Sou como o céu

que se desfaz

                        em chuva

e que de novo

                        reflui,

como a maré,

o arremesso laivo

                    do azul cristal.





Sou um mundo

de pequenos

                    mundos,

sou as vagas edificadas

das estéries

                   vergonhas,

sou as vagas edificadas

das convulsas

                     miragens —

sou um homem de senso comum,

um homem,

nada mais

                        que um homem...

poema 32


A noite

é a simples companheira

das minhas

             lentas bebedeiras,

dos meus

             egoísmos solitários,

daquilo no qual

me esqueço

             que sou só,

             que não sou nada,

             que talvez

                        não venha a ser nada.









A noite

é a amante cordial

dos meus caprichos,

             a cama desfeita

das minhas ilusões,

             o orgasmo completo

das minhas inibições,

             o desespero irracional

das teias da minha imaginação;

ela é

             o vácuo infindo

             e o fim prévio;



             a morte ao nascer o dia.